domingo, 23 de janeiro de 2011

Amor Faminto

Texto musicado pelo Cordel do Fogo Encantado (Link: http://letras.terra.com.br/cordel-do-fogo-encantado/132871/), extraído da poesia "Os três mal-dados" de João Cabral de Melo Neto...

Quero apenas compartilhar essas palavras, nada pra escrever agora...agora

boa tarde
   
 O amor comeu meu nome, minha identidade, meu retrato. O amor comeu minha certidão de idade, minha genealogia, meu endereço. O amor comeu meus cartões de visita. O amor veio e comeu todos os papéis onde eu escrevera meu nome.
   O amor comeu minhas roupas, meus lenços, minhas camisas. O amor comeu metros e metros de gravatas. O amor comeu a medida de meus ternos, o número de meus sapatos, o tamanho de meus chapéus. O amor comeu minha altura, meu peso, a cor de meus olhos e de meus cabelos.
   O amor comeu meus remédios, minhas receitas médicas, minhas dietas. Comeu minhas aspirinas, minhas ondas-curtas, meus raios-X. Comeu meus testes mentais, meus exames de urina.
   O amor comeu na estante todos os meus livros de poesia. Comeu em meus livros de prosa as citações em verso. Comeu no dicionário as palavras que poderiam se juntar em versos.
   Faminto, o amor devorou os utensílios de meu uso: pente, navalha, escovas, tesouras de unhas, canivete. Faminto ainda, o amor devorou o uso de meus utensílios: meus banhos frios, a ópera cantada no banheiro, o aquecedor de água de fogo morto mas que parecia uma usina.
   O amor comeu as frutas postas sobre a mesa. Bebeu a água dos copos e das quartinhas. Comeu o pão de propósito escondido. Bebeu as lágrimas dos olhos que, ninguém o sabia, estavam cheios de água.
   O amor voltou para comer os papéis onde irrefletidamente eu tornara a escrever meu nome.
   O amor roeu minha infância, de dedos sujos de tinta, cabelo caindo nos olhos, botinas nunca engraxadas. O amor roeu o menino esquivo, sempre nos cantos, e que riscava os livros, mordia o lápis, andava na rua chutando pedras. Roeu as conversas, junto à bomba de gasolina do largo, com os primos que tudo sabiam sobre passarinhos, sobre uma mulher, sobre marcas de automóvel.
   O amor comeu meu Estado e minha cidade. Drenou a água morta dos mangues, aboliu a maré. Comeu os mangues crespos e de folhas duras, comeu o verde ácido das plantas de cana cobrindo os morros regulares, cortados pelas barreiras vermelhas, pelo trenzinho preto, pelas chaminés.  Comeu o cheiro de cana cortada e o cheiro de maresia. Comeu até essas coisas de que eu desesperava por não saber falar delas em verso.
   O amor comeu até os dias ainda não anunciados nas folhinhas. Comeu os minutos de adiantamento de meu relógio, os anos que as linhas de minha mão asseguravam. Comeu o futuro grande atleta, o futuro grande poeta. Comeu as futuras viagens em volta da terra, as futuras estantes em volta da sala.
    O amor comeu minha paz e minha guerra. Meu dia e minha noite. Meu inverno e meu verão. Comeu meu silêncio, minha dor de cabeça, meu medo da morte.

As falas do personagem Joaquim foram extraídas da poesia 
"Os Três Mal-Amados", constante do livro "João Cabral de Melo Neto - Obras Completas",Editora Nova Aguilar S.A. - Rio de Janeiro, 1994, pág.59.

quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

O Mistério da Cascata

Sinópse:
“Grupo Parque de Teatro - Direção: Silvero Pereira
            História de uma rica família que perde toda sua fortuna por meio da hipoteca e para ter seus seguros a jovem donzela terá que casar, mas uma terrível bruxa fará tudo para destruir esse casamento e impedir que um grande mistério seja revelado e a paz possa reinar. 50min.Classificação livre.”

            Escrevi este texto para apresentar minha visão da peça, tem um pouco de spoiler, mas nada que tire o encanto do espetáculo, eis minhas impressões:

A peça apresenta logo na abertura uma caricatura de duelo, onde são apresentados todos os personagens, eles lutam entre si com o que tem em punhos até tudo se apagar... Tudo começa escuro, o duelo começa, termina e tudo fica escuro, a peça começa, termina e tudo fica escuro. Vejo o duelo inicial como um microcosmo da peça inteira.
            Alguns personagens trazem em si uma marca do que pode ser classificado mal, mas vamos chamar de defeito, mas cada defeito é sempre acobertado por uma boa desculpa.
            Primeiro temos O Conde, padrinho de Mirabel, que perdeu tudo no jogo e encontra-se doente. Quando ameaçado de perder sua estimada residência devido ao vencimento da hipoteca, é conivente em relação ao caso da afilhada e o Marquês, seu credor. Este comportamento rasteiro, ele esconde atrás de um manto de “senilidade”, porém não teme em apontar o dedo em riste para a afilhada no momento em que esta falha. Seu defeito é a dissimulação, ou talvez a covardia.
            Temos também Maribel, que tem espasmos de desejo pelo Marquês, mas, para acobertar a luxúria que brota em seu peito, coloca-se como casta e santa pronta para se entregar as vontades do inquisidor do padrinho, esquecendo inclusive de telo visto junto ao Conde quando este estava no chão, obviamente derrubado pelo Marquês.
            O Marquês Filipe, após desbravar o corpo de Maribel torna-se aparentemente um sujeito bom, amoroso, mas basta dar-lhe a notícia da gravidez de Maribel para que este retorne a aspereza anterior, seu desejo é e sempre foi, usufruir de Maribel enquanto esta lhe dava prazer.
            O Pai de Maribel, após ter perdido a esposa e ser quase morto pelo Conde, esconde-se na floresta, com uma aparente cegueira (um tanto duvidosa a meu ver), e apesar do ódio dirigido ao Conde, mostra-se semelhante a este, pois condena a filha por seu erro, apesar de logo remediar o ato, cério que viu na filha a figura da mãe, Santana, que se entregou a um homem fora do casamento, morta por sujar o nome da família.
            Santana teve uma morte interessante, assim como seria a da Branca de Neve, ou como foi a de João Batista, foi-lhe arrancado o coração e apresentado ao mandante em uma bandeja de prata. Tanto Branca de Neve quanto João Batista representavam uma ameaça a alguém, Santana provavelmente não era diferente, devia causar inveja ao Conde e a Governanta também.
            A Governanta Morgata, já tem de sinistro o nome, é a típica bruxa má, com poções envenenantes e poderes hipnóticos, devido a ganância de ter a fortuna do Conde para si, mostra-se como uma verdadeira amiga de Maribel, apenas para traí-la.  Maltrata o Conde e Penelope, a empregada muda, além de usar sempre verbos no futuro do pretérito, adicionando muitos “rerere’s” num sinal de vaidade.
            Na peça temos um bardo, que anuncia o que acontece em alguns hiatos e nos prepara para o que a por vir, apesar de estar usando máscara, é um dos únicos que é ele mesmo, tem um papel de anunciador, assim como a cigana, ambos são os únicos que não tem o rabo preso na história.
            Por último temos a empregada muda, Penelope, que é maltratada pela Governanta, apesar de parecer coitadinha, é uma empregada sem respeito pela hierarquia, mostra-se inconveniente e mal educada.
            Um dos pontos altos da peça, o momento do banquete, foi para mim um dos marcantes, enquanto o casal briga o Conde, Morgata e Penelope comem, despreocupadamente, e quando Filipe põe-se a falar, a própria Maribel, come, parece que falam: “ora, o banquete está servido não está!?”
            A peça apresenta personagens de uma sociedade de valores perdidos, é cômica, mas está centrada em valores um tanto relevantes. Mostra como as relações familiares hoje são podres, o relacionamento conjugal é débil, e a religião mostrada como misticismo pitoresco e Deus como um sujeito para se pedir coisas na hora da necessidade. Mostra pessoas que se disfarçam a ponto de enganarem a si próprios, pessoas que estão em um duelo entre si, continuo, para manterem sua máscara e ao mesmo tempo atingirem o que querem.
            Não quero apontar o dedo para nenhum personagem, todos eles tem um que de maldade, mas isso é coisa de todo homem, não somos só luz, mas também não somos só trevas, se mostrei apenas o lado negro da força é por que, como já disse, o azedume me persegue.
           
            A partir daqui falo do desfecho, se não quiser saber, não leia:
           
            O final pode parecer um tanto comum, mas acho que foi interessante, vou contar, no fim morrem Morgata e o Conde, os mais velhos, achei isso bacana, a peça imita a vida, os mais novos ficaram, pode ter até terminado um final feliz, mas não foi para sempre, os velhos morreram, como deve acontecer...é como dizem mesmo, a arte imita a vida, e eu amei a peça.

abs

domingo, 16 de janeiro de 2011

Poesiareia

  Lá vai uma poesia das minhas....bem antiga #amelhorpoesiadomundo


espero que gostem


Venho tentando matar esse amor
Mas esse amor me mata...
Todo dia sem ti é noite
Cada toque não teu maltrata
Toda palavra não tua é açoite
Cada verso que escrevo dou-te
Mas cada estrofe é insensata...

Venho tentando matar o tempo
Mas esse tempo me mata
Imerso na escuridão da noite
Vejo o tempo que se arrasta
Meu pensamento em ti é incessante
Quero ter-te a todo instante
Mesmo sabendo que a luz dos teus olhos, me mata

E assim minha vida passa
Se não posso matar esse amor
O tempo que o mate
Se o amor me mata não fere
Se o tempo me fere não mata
Se não posso matar esse tempo
Em mim esse tempo me mata.

Bom dia

sábado, 15 de janeiro de 2011

Debaixo D'água

  Férias é complicado...Não funciono bem sem rotina, acabo não fazendo nada do que quero.
  
  Portanto não ando pensando e escrevendo nada do que havia planejado, entretanto tenho ouvido muita música. Adoro Arnaldo Antunes, acho ele um sujeito que, a partir de um monte de alegorias, consegue transmitir em sua música muitas coisas que eu sinto, assim como Lenine, apesar do estilos bem diferentes.

  Queria compartilhar essa música do Arnaldo Antunes com alguém que por acaso venha visitar esse blog.

Debaixo D'água


Debaixo d'água tudo era mais bonito
mais azul mais colorido
só faltava respirar.
Mas tinha que respirar

Debaixo d'água se formando como um feto
sereno, confortável, amado, completo,
sem chão, sem teto, sem contato com o ar
Mas tinha que respirar

Todo dia
Todo dia, todo dia (3x)


Debaixo d'água por encanto sem sorriso e sem pranto,
sem lamento e sem saber o quanto
esse momento poderia durar
Mas tinha que respirar

Debaixo d'água ficaria para sempre ficaria contente,

longe de toda gente para sempre
no fundo do mar
Mas tinha que respirar

Todo dia
Todo dia, todo dia (3x)

Debaixo d'água protegido salvo fora de perigo
aliviado, sem perdão e sem pecado
sem fome, sem frio, sem medo, se vontade de voltar,
mas tinha que respirar

Debaixo d'água tudo era mais bonito
mais azul mais colorido
só faltava respirar
Mas tinha que respirar

Todo dia
Todo dia, todo dia (3x)

Musica de Arnaldo Antunes, Albúm Paradeiro Link: http://letras.terra.com.br/arnaldo-antunes/67073/
  É inerente ao homem buscar algo que está além do alcance de suas mãos, além das esferas deste mundo como diria Tolkien...Mesmo que isso signifique abrir mão de tudo que já é seu.
  Olhar para fora é sinal de humanidade, revolta é sinal de humanidade, transgredir é sinal de humanidade (para mais sobre transgressão sugiro "Salvos da Perfeição" de Elienai Cabral Jr.)
  Essa busca incessante pelo intocável é o que nos dá sede de vida. Nós não sabemos o que é essa "entidade" que jamais podemos tocar, alguns chamam de Deus (não creio que seja isso), Machado de Assis chama de felicidade (Memórias Póstumas de Brás Cubas), eu acredito que seja o sem nome...Algo que não precisa existir de forma palpável para ser o que é, para nos conquistar. Pode ser apenas um jogo de Deus, mas acho mais fácil que seja isso que nos faz a imagem e semelhança de Deus
Bom dia


terça-feira, 11 de janeiro de 2011

Promessa é divida

  Prometi que escreveria mais coisas  por aqui e que estas coisas seriam textos (óbvio) mais trabalhados, não pensamentos soltos e um tanto difusos.
  Neste momento estou escrevendo...Pena que ninguém vai querer ler...É só meu relatório de pesquisa...


abs

quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

Feliz 2011

 Primeira vez que escrevo neste novo ano...

 Essa frase é engraçada..."Feliz ano novo", o que é um ano feliz? Admito que é um discurso bem pessimista, fazer o que?

 Mais uma vez escrevo um bocado de coisas e acho que não consigo falar aquilo que quero falar, ou pelo menos não falo como gostaria de falar...percebi isso falando com uma amiga sobre este blog...

 Escrevo tudo aqui de cabeça...sento no pc  para escrever e escrevo...acho que assim não dá..por isso estou trabalhando em um texto...mas não prometo nem a mim mesmo quando ele vai sair...

 Por hora deixo-vos e deixo-me com uma música no mínimo agradabilíssima:


Mapa-Múndi




Me escreva uma carta sem remetente
Só o necessário e se está contente
Tente lembrar quais eram os planos
Se nada mudou com o passar dos anos
E me pergunte o que será do nosso amor?
Descreva pra mim sua latitude
Que eu tento te achar no mapa-múndi
Ponha um pouco de delicadeza
No que escrever e onde quer que me esqueças
E eu te pergunto o que será do nosso amor?
Ah! Se eu pudesse voltar atrás
Ah! Se eu pudesse voltar.
Acho lindo o desprendimento do autor pela vida..é como se ele apenas vivesse, coisa muito nobre, porém muito rara...
Boa noite 
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