sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

Nós...Ratos


Tenho orado muito com essa música do Chico Buarque

Ode Aos Ratos



Rato de rua
Irrequieta criatura
Tribo em frenética proliferação
Lúbrico, libidinoso transeunte
Boca de estômago
Atrás do seu quinhão
Vão aos magotes
A dar com um pau
Levando o terror
Do parking ao living
Do shopping center ao léu
Do cano de esgoto
Pro topo do arranha-céu
Rato de rua
Aborígene do lodo
Fuça gelada
Couraça de sabão
Quase risonho
Profanador de tumba
Sobrevivente
À chacina e à lei do cão
Saqueador da metrópole
Tenaz roedor
De toda esperança
Estuporador da ilusão
Ó meu semelhante
Filho de Deus, meu irmão
Rato
Rato que rói a roupa
Que rói a rapa do rei do morro
Que rói a roda do carro
Que rói o carro, que rói o ferro
Que rói o barro, rói o morro
Rato que rói o rato
Ra-rato, ra-rato
Roto que ri do roto
Que rói o farrapo
Do esfarra-rapado
Que mete a ripa, arranca rabo
Rato ruim
Rato que rói a rosa
Rói o riso da moça
E ruma rua arriba
Em sua rota de rato

Me sinto muito feliz de ter como semelhante um rato..de ser rato, ser pouco...ser humano...

segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

Ninguém faz idéia


Pois eu vos digo que, se vossa justiça não exceder a dos escribas e fariseus, de modo nenhum entrareis no Reino dos céus (Mateus-5,20).



Lenine deve ser de longe o sujeito que mais me toca com suas músicas... Ando pensando nas coisas do Reino etc. e tal e queria compartilhar essa música comigo mesmo. Sinto que ela é uma tradução, uma poematização desse trecho do Sermão da Montanha.
No texto bíblico, existem diversas interpretações, muitas delas desesperadoras, afinal, quem são os “escribas e fariseus”? Nada menos que os mestres da lei, sujeitos que eram tidos como separados, santos! Como poderiam pessoas normais ter uma justiça mais elevada que a “verdadeira comunidade de Israel”? Jesus está inserido no contexto histórico e social de sua época, afinal, “O verbo se fez carne e habitou entre nós”, Ele entrou de pernas e braços, montou barraca, Tabernaculou entre nós.
Jesus, ao impor que nossa justiça deve exceder a dos mestres da lei não coloca a sociedade da época abaixo destes, mas sim coloca os fariseus em pé de igualdade aos “outros”. Ninguém faz idéia de que é humanidade, ninguém faz idéia de que vem lá...

Ninguém Faz Idéia
Malucos e donas de casa
Vocês aí na porta do bar
Os cães sem dono, os boiadeiros
As putas Babalorixás...

Os Gênios, os caminhoneiros
Os sem terra e sem teto
Atôres, Maestros, Djs
Os Undergrounds, os Megastars
Os Rolling Stones e o Rei...

Ninguém faz idéia
De quem vem lá!
De quem vem lá!
De quem vem lá!
Ninguém faz idéia
De quem vem lá!...

Ciganas e neo-nazistas
O bruxo, o mago pajé
Os escritores de science fiction
Quem diz e quem nega o que é...
Os que fazem greve de fome
Bandidos, cientistas do espaço
Os prêmios nobel da paz
O Dalai Lama, o Mister Bean
Burros, Intelectuais...

Eu pensei!
Ninguém faz idéia
De quem vem lá!
De quem vem lá!
De quem vem lá!
Ninguém faz idéia
De quem vem lá!...(2x)

Os líderes de última hora
Os que são a bola da vez
Os encanados, divertidos
Os tais que traficam bebês...
O que bebe e passa da conta
Os do cyber espaço
A capa do mês da playboy
O novo membro da academia
E o mito que se auto destrói...

Eu sei!
Ninguém faz idéia
De quem vem lá!
De quem vem lá!
De quem vem lá!
Ninguém faz idéia
De quem vem lá!...

Os duros, os desclassificados
A vanguarda e quem fica prá traz
Os dorme sujos, os emergentes
Os espiões industriais...
Os que catam restos de feira
Milicos piratas da rede
Crianças excepcionais
Os exilados, os executivos
Os clones e os originais...

É a lei!
Ninguém faz idéia
De quem vem lá!
De quem vem lá!
De quem vem lá!
Ninguém faz idéia
De quem vem lá!...(2x)

Os Anjos, os Exterminadores
Os Velhos jogando bilhar
O Vaticano, a CIA
O Boy que controla radar
Anarquista, Mercenários, quem é
Quem é e quem fabrica notícia
Quem crê na reencarnação
Os Clandestinos, os Ilegais
Os Gays, os Chefes da Nação
Ninguém faz idéia
De quem vem lá...



            Um ponto do texto que me abalou foi o “de modo nenhum entrareis no Reino dos céus”, passei um bom tempo remoendo esse trechinho, afinal é ameaçador, mostra a figura do Cristo mais para carrasco que para Deus amoroso.
            Mas primeiro, onde é o Reino dos céus? Quando leio os evangelhos vejo um Cristo muito mais preocupado com o aqui e agora que com o pós-morte, ao nos ensinar a orar ele diz “Venha o teu Reino” (ou também “Venha a nós o Vosso Reino”), e “Seja feita a Tua vontade na terra como no céu”. Céu e terra são o Reino, afinal:

“Bem-aventurados os pobres de espírito porque deles é o Reino dos Céus.”
“Bem-aventurados os humildes, pois herdarão a terra.”

            Terra e Reino dos Céus são prometidos para os mansos...
            Em muitas passagens da bíblia temos o termo “O Reino dos Céus está próximo”. Em outras versões o texto é traduzido para “O Reino dos Céus é chegado”, ora, o que está chegado está próximo, mas quando colocamos o termo próximo no texto temos, creio que por cultura, lemos no sentido temporal, porém, o Reino é aqui, está aqui!
            O Reino dos Céus é aqui, mas como não podemos entrar?
      Creio que o Reino dos Céus que está no meio de nós está fundamentado no relacionamento, na humanidade, não em um conjunto de regras, ou instituição, seja ela qual for. Como disse um sujeito admirável certa vez, quando foi instituída a Way of Life dos fariseus, ela não tinha o objetivo de formar um grupo de hipócritas rodeado de coisas podres e jogos de interesse, mas devido a uma má interpretação, a contingencia da vida e a própria origem falha do homem o tornaram como tal. Inclusive, segundo a Wikipédia, a origem da palavra fariseu é a mesma da paravra santo (http://pt.wikipedia.org/wiki/Fariseus).
            O jeito fariseu de viver, com seu senso de justiça torpe, não os deixava serem humanos, se relacionar com honestidade, tanto com Deus quanto com os homens (Lucas 18,9-14). Jesus não gostava de se relacionar com pessoas perfeitas, pelo contrário, desfrutava da companhia de pessoas consideradas inapropriadas para um relacionamento.
            Por tanto, ao termos uma justiça que excede a dos fariseus, não somos mais cheios de regras, teologias, métodos ou qualquer coisa que o valha, somos humanos, permitimo-nos sermos apenas humanos, “salvos da perfeição” ou da tentativa de tê-la. É tudo que eu quero. Ser humano...

sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

A vida como ela é

Eu quero que o tapete voe
No meio da sala de estar,
Eu quero que a panela de pressão pressione
E que a pia comece a pingar.
Eu quero que a sirene soe
E me faça levantar do sofá,
Eu quero pôr Rita Pavone
No ringtone do meu celular.
Eu quero estar no meio do ciclone
Pra poder aproveitar
E quando eu esquecer meu próprio nome
Que me chamem de velho gagá.

Trecho de “Envelhecer”, Arnaldo Antunes

É interessante como nós tentamos mistificar nossa existência por trás de irrealidades e com isso passamos a não enxergar nem um palmo a nossa frente. Nos olhamos no espelho e nos imaginamos super-heróis, eternos garotos capazes de tudo. Ainda sou jovem, mas sei que quero envelhecer, quero experimentar cada etapa dessa maravilhosa peregrinação que todos realizam, mas nem todos saboreiam, a Vida. Quando negamos nossas incapacidades e fraquezas, nossa estrutura fragmentada, incompleta e inconstante.
Com essa negação de nossa própria natureza, de nossas idiossincrasias (adoro esta palavra) infantilizamos nossa existência, “estreitamos nossa bitola” e perdemos o foco naquilo que é realmente importante. Sermos humanos.

Até mais..

domingo, 23 de janeiro de 2011

Amor Faminto

Texto musicado pelo Cordel do Fogo Encantado (Link: http://letras.terra.com.br/cordel-do-fogo-encantado/132871/), extraído da poesia "Os três mal-dados" de João Cabral de Melo Neto...

Quero apenas compartilhar essas palavras, nada pra escrever agora...agora

boa tarde
   
 O amor comeu meu nome, minha identidade, meu retrato. O amor comeu minha certidão de idade, minha genealogia, meu endereço. O amor comeu meus cartões de visita. O amor veio e comeu todos os papéis onde eu escrevera meu nome.
   O amor comeu minhas roupas, meus lenços, minhas camisas. O amor comeu metros e metros de gravatas. O amor comeu a medida de meus ternos, o número de meus sapatos, o tamanho de meus chapéus. O amor comeu minha altura, meu peso, a cor de meus olhos e de meus cabelos.
   O amor comeu meus remédios, minhas receitas médicas, minhas dietas. Comeu minhas aspirinas, minhas ondas-curtas, meus raios-X. Comeu meus testes mentais, meus exames de urina.
   O amor comeu na estante todos os meus livros de poesia. Comeu em meus livros de prosa as citações em verso. Comeu no dicionário as palavras que poderiam se juntar em versos.
   Faminto, o amor devorou os utensílios de meu uso: pente, navalha, escovas, tesouras de unhas, canivete. Faminto ainda, o amor devorou o uso de meus utensílios: meus banhos frios, a ópera cantada no banheiro, o aquecedor de água de fogo morto mas que parecia uma usina.
   O amor comeu as frutas postas sobre a mesa. Bebeu a água dos copos e das quartinhas. Comeu o pão de propósito escondido. Bebeu as lágrimas dos olhos que, ninguém o sabia, estavam cheios de água.
   O amor voltou para comer os papéis onde irrefletidamente eu tornara a escrever meu nome.
   O amor roeu minha infância, de dedos sujos de tinta, cabelo caindo nos olhos, botinas nunca engraxadas. O amor roeu o menino esquivo, sempre nos cantos, e que riscava os livros, mordia o lápis, andava na rua chutando pedras. Roeu as conversas, junto à bomba de gasolina do largo, com os primos que tudo sabiam sobre passarinhos, sobre uma mulher, sobre marcas de automóvel.
   O amor comeu meu Estado e minha cidade. Drenou a água morta dos mangues, aboliu a maré. Comeu os mangues crespos e de folhas duras, comeu o verde ácido das plantas de cana cobrindo os morros regulares, cortados pelas barreiras vermelhas, pelo trenzinho preto, pelas chaminés.  Comeu o cheiro de cana cortada e o cheiro de maresia. Comeu até essas coisas de que eu desesperava por não saber falar delas em verso.
   O amor comeu até os dias ainda não anunciados nas folhinhas. Comeu os minutos de adiantamento de meu relógio, os anos que as linhas de minha mão asseguravam. Comeu o futuro grande atleta, o futuro grande poeta. Comeu as futuras viagens em volta da terra, as futuras estantes em volta da sala.
    O amor comeu minha paz e minha guerra. Meu dia e minha noite. Meu inverno e meu verão. Comeu meu silêncio, minha dor de cabeça, meu medo da morte.

As falas do personagem Joaquim foram extraídas da poesia 
"Os Três Mal-Amados", constante do livro "João Cabral de Melo Neto - Obras Completas",Editora Nova Aguilar S.A. - Rio de Janeiro, 1994, pág.59.

quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

O Mistério da Cascata

Sinópse:
“Grupo Parque de Teatro - Direção: Silvero Pereira
            História de uma rica família que perde toda sua fortuna por meio da hipoteca e para ter seus seguros a jovem donzela terá que casar, mas uma terrível bruxa fará tudo para destruir esse casamento e impedir que um grande mistério seja revelado e a paz possa reinar. 50min.Classificação livre.”

            Escrevi este texto para apresentar minha visão da peça, tem um pouco de spoiler, mas nada que tire o encanto do espetáculo, eis minhas impressões:

A peça apresenta logo na abertura uma caricatura de duelo, onde são apresentados todos os personagens, eles lutam entre si com o que tem em punhos até tudo se apagar... Tudo começa escuro, o duelo começa, termina e tudo fica escuro, a peça começa, termina e tudo fica escuro. Vejo o duelo inicial como um microcosmo da peça inteira.
            Alguns personagens trazem em si uma marca do que pode ser classificado mal, mas vamos chamar de defeito, mas cada defeito é sempre acobertado por uma boa desculpa.
            Primeiro temos O Conde, padrinho de Mirabel, que perdeu tudo no jogo e encontra-se doente. Quando ameaçado de perder sua estimada residência devido ao vencimento da hipoteca, é conivente em relação ao caso da afilhada e o Marquês, seu credor. Este comportamento rasteiro, ele esconde atrás de um manto de “senilidade”, porém não teme em apontar o dedo em riste para a afilhada no momento em que esta falha. Seu defeito é a dissimulação, ou talvez a covardia.
            Temos também Maribel, que tem espasmos de desejo pelo Marquês, mas, para acobertar a luxúria que brota em seu peito, coloca-se como casta e santa pronta para se entregar as vontades do inquisidor do padrinho, esquecendo inclusive de telo visto junto ao Conde quando este estava no chão, obviamente derrubado pelo Marquês.
            O Marquês Filipe, após desbravar o corpo de Maribel torna-se aparentemente um sujeito bom, amoroso, mas basta dar-lhe a notícia da gravidez de Maribel para que este retorne a aspereza anterior, seu desejo é e sempre foi, usufruir de Maribel enquanto esta lhe dava prazer.
            O Pai de Maribel, após ter perdido a esposa e ser quase morto pelo Conde, esconde-se na floresta, com uma aparente cegueira (um tanto duvidosa a meu ver), e apesar do ódio dirigido ao Conde, mostra-se semelhante a este, pois condena a filha por seu erro, apesar de logo remediar o ato, cério que viu na filha a figura da mãe, Santana, que se entregou a um homem fora do casamento, morta por sujar o nome da família.
            Santana teve uma morte interessante, assim como seria a da Branca de Neve, ou como foi a de João Batista, foi-lhe arrancado o coração e apresentado ao mandante em uma bandeja de prata. Tanto Branca de Neve quanto João Batista representavam uma ameaça a alguém, Santana provavelmente não era diferente, devia causar inveja ao Conde e a Governanta também.
            A Governanta Morgata, já tem de sinistro o nome, é a típica bruxa má, com poções envenenantes e poderes hipnóticos, devido a ganância de ter a fortuna do Conde para si, mostra-se como uma verdadeira amiga de Maribel, apenas para traí-la.  Maltrata o Conde e Penelope, a empregada muda, além de usar sempre verbos no futuro do pretérito, adicionando muitos “rerere’s” num sinal de vaidade.
            Na peça temos um bardo, que anuncia o que acontece em alguns hiatos e nos prepara para o que a por vir, apesar de estar usando máscara, é um dos únicos que é ele mesmo, tem um papel de anunciador, assim como a cigana, ambos são os únicos que não tem o rabo preso na história.
            Por último temos a empregada muda, Penelope, que é maltratada pela Governanta, apesar de parecer coitadinha, é uma empregada sem respeito pela hierarquia, mostra-se inconveniente e mal educada.
            Um dos pontos altos da peça, o momento do banquete, foi para mim um dos marcantes, enquanto o casal briga o Conde, Morgata e Penelope comem, despreocupadamente, e quando Filipe põe-se a falar, a própria Maribel, come, parece que falam: “ora, o banquete está servido não está!?”
            A peça apresenta personagens de uma sociedade de valores perdidos, é cômica, mas está centrada em valores um tanto relevantes. Mostra como as relações familiares hoje são podres, o relacionamento conjugal é débil, e a religião mostrada como misticismo pitoresco e Deus como um sujeito para se pedir coisas na hora da necessidade. Mostra pessoas que se disfarçam a ponto de enganarem a si próprios, pessoas que estão em um duelo entre si, continuo, para manterem sua máscara e ao mesmo tempo atingirem o que querem.
            Não quero apontar o dedo para nenhum personagem, todos eles tem um que de maldade, mas isso é coisa de todo homem, não somos só luz, mas também não somos só trevas, se mostrei apenas o lado negro da força é por que, como já disse, o azedume me persegue.
           
            A partir daqui falo do desfecho, se não quiser saber, não leia:
           
            O final pode parecer um tanto comum, mas acho que foi interessante, vou contar, no fim morrem Morgata e o Conde, os mais velhos, achei isso bacana, a peça imita a vida, os mais novos ficaram, pode ter até terminado um final feliz, mas não foi para sempre, os velhos morreram, como deve acontecer...é como dizem mesmo, a arte imita a vida, e eu amei a peça.

abs

segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

domingo, 16 de janeiro de 2011

Poesiareia

  Lá vai uma poesia das minhas....bem antiga #amelhorpoesiadomundo


espero que gostem


Venho tentando matar esse amor
Mas esse amor me mata...
Todo dia sem ti é noite
Cada toque não teu maltrata
Toda palavra não tua é açoite
Cada verso que escrevo dou-te
Mas cada estrofe é insensata...

Venho tentando matar o tempo
Mas esse tempo me mata
Imerso na escuridão da noite
Vejo o tempo que se arrasta
Meu pensamento em ti é incessante
Quero ter-te a todo instante
Mesmo sabendo que a luz dos teus olhos, me mata

E assim minha vida passa
Se não posso matar esse amor
O tempo que o mate
Se o amor me mata não fere
Se o tempo me fere não mata
Se não posso matar esse tempo
Em mim esse tempo me mata.

Bom dia
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